domingo, 18 de novembro de 2012

A cidade é feita de gente na rua, diz Peñalosa

Entrevista com o prefeito colombiano que Lacerda visitou, para aprender. Aprendeu e fez tudo ao contrário.

Do O Estado de S. Paulo.
O urbanismo contra-ataca. Entrevista com Enrique Peñalosa
Por Juliana Sayuri
Prefeito de Bogotá entre 1998 e 2011, o urbanista transformou a capital colombiana com ações focadas em mobilidade e sustentabilidade, reduzindo drasticamente o índice de homicídios na cidade, antes considerada uma das mais violentas da América Latina. Já fez conferências em universidades como USP, PUC-RJ, Princeton, London School of Economics, Harvard, Chicago e Colúmbia, e assessorou governos na Ásia, África, Américas e Europa com estratégias e políticas urbanas. Neste ano, visitou São Paulo e Porto Alegre, onde participou do Fronteiras do Pensamento, em junho.
"Uma cidade se expressa, vibra, vive. É feita de gente na rua", diz ao Aliás. "O papel do Estado é estar presente, em todos os cantos da cidade. Que não haja rincões que fiquem à margem. Se o Estado não respeita a vida humana, por que os bandidos o fariam?", questiona. "Devemos mostrar símbolos de igualdade e de democracia. São bibliotecas, ciclovias, colégios, parques, ruas iluminadas. E, principalmente, gente ocupando esses espaços públicos", destaca. Seguindo as ideias de Enrique Peñalosa, talvez falte mostrar, sem pieguice, que ainda existe amor em SP. Eis a entrevista.

- São Paulo está vivendo uma onda de violência que obteve repercussão internacional. Que paralelo podemos traçar com Bogotá, que já foi considerada uma das cidades mais violentas da América Latina?
- Posso comentar a experiência de Bogotá, onde a segurança melhorou desde o fim da década de 1990. Essa melhoria ocorreu na capital, antes de ocorrer no país como um todo. Não foi consequência de uma mudança diretamente relacionada às políticas do presidente Álvaro Uribe, mas de uma série de medidas do poder municipal. Não há fórmulas fechadas, mas posso propor teorias: é a cidade. A chave é a própria cidade.
- Como assim?
- A cidade se expressa, vibra, vive. E uma cidade só se faz com gente na rua. Mas, para isso, as pessoas precisam se sentir seguras nas ruas. Os cidadãos precisam sentir que há legitimidade -- o que é muito importante, mas altamente subjetivo. Explico: o Estado precisa ser considerado legítimo pelos cidadãos. É corrupto? É íntegro? Está dedicado a atender às necessidades dos mais vulneráveis para construir, de alguma maneira, uma sociedade mais igualitária? Se há legitimidade, os cidadãos tendem a compreender e cumprir determinadas normas, reportar e pedir punição aos que violam essas normas. Prefiro ilustrar essa história assim: há 15 anos, dizia-se muito a expressão "cójalo, cójalo, suéltelo, suéltelo" em Bogotá. Exemplo: um ladrão roubou a carteira de uma senhora. Aí toda a gente gritava: cójalo, cójalo! Uma vez preso, porém, muita gente começava a dizer: no, suéltelo, suéltelo! Deixe-o ir. Isto é, de alguma maneira, a sociedade sentia que a situação era tão injusta que a polícia não tinha nem autoridade moral nem legitimidade para poder prender e castigar esses delinquentes. Mas a atitude mudou nestes últimos tempos. As pessoas precisam respeitar um governo, e não temê-lo. Nesse sentido, o papel do Estado é estar presente, em todos os cantos da cidade. Que não haja rincões que fiquem à margem. Essa presença não se refere só à polícia, mas a projetos de educação, saúde e demais serviços sociais, atendendo a todas as tarefas que deve atender. Afinal, segurança não é só assunto de polícia.
A íntegra.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Minha Casa Minha Vida e a impermeabilização das cidades

"Dá calafrios imaginar que o modelo de incentivo à construção do governo Lula e do governo Dilma é parecido com o modelo do governo Medici. [...] Expandir as cidades ad infinitum em um momento em que a taxa de natalidade está abaixo do nível de reposição implica cair na armadilha norte-americana de abandonar o centro. Isto só faz sentido na lógica do capital imobiliário que precisa continuar comprando terra barata e vendendo caro. E se for para fazer apartamentos de R$ 50 mil, que seja sem risco. A raiz desta ideia é a mesma em Belo Monte, no PAC ou no Minha Casa Minha Vida: tudo se resolve com mais asfalto e mais cimento." Vale a pena ler o artigo na íntegra.

Da revista Fórum.
O paradigma do asfalto
Por Fernando Luiz Lara.
[...] Demoramos quase um século para aprender que favela não é um problema, mas sim uma solução precária e incompleta. Mas a maior ironia (para não dizer tragédia) é perceber que o modelo persiste, agora rebatizado de Minha Casa Minha Vida. São R$ 12 bilhões por ano para construir habitação preferencialmente para famílias cuja renda esteja abaixo de R$ 1.600. Mas basta uma análise preliminar das diretrizes de financiamento da Caixa Econômica Federal (CEF) para perceber o atraso conceitual do programa. Para começar, a CEF dita um valor máximo de financiamento de R$ 58 mil por unidade no caso de SP e DF (os mais caros). Descontado o custo da construção (aproximadamente R$ 1 mil por m² ou cerca de R$ 45 mil por apartamento) sobram R$ 13 mil para pagar o terreno e todas as obras de infraestrutura interna, incluindo escadas e caixas d'água, por exemplo, que são, há de se convir, absolutamente fundamentais. No caso da infraestrutura externa ao edifício, cabe à prefeitura (quase sempre) ou às construtoras (absolutamente nunca) pagar por tudo. É como se calçadas, pontos de ônibus, áreas de lazer, parquinhos, campos de futebol ou mesmo a simples arborização fossem luxos e não componentes essenciais de qualidade de vida. Como no velho BNH, a CEF financia as construtoras e repassa a dívida na forma de hipotecas para os moradores qualificados. Como no velho BNH, as construtoras não têm nenhum risco. Elaboram projetos simplistas, muitas vezes cópias de desenhos que a própria CEF fornece. Compram terrenos baratos na periferia longínqua, aprovam um arruamento básico a ser executado com o uso de apenas uma máquina motoniveladora, convencem a prefeitura a estender as redes de água, luz e esgoto e constroem as casas ou apartamentos da forma mais barata e mais rápida possível. Terminada a obra e recebido o dinheiro, o lucro é simples, o risco é mínimo. A conta de verdade cai no colo da prefeitura, que no futuro próximo vai ser pressionada a fornecer toda a infraestrutura que devia ter sido feita junto com as unidades habitacionais. Praças, quadras de esporte, calçadas, linhas de ônibus, sinais de trânsito, escolas, creches, clínicas e parques. Tudo isso vai demorar anos, talvez décadas para ser construído, com efeitos negativos na qualidade de vida, na saúde e na produtividade de quem mora aí. E o primeiro a chegar vai ser o asfalto. Antes da creche ou do posto de saúde, antes do parque e infelizmente antes das árvores, chega o asfalto. O que não é de se estranhar, dado que os moradores das periferias das grandes cidades passam em média três horas por dia em ônibus e vans, um custo altíssimo que não é nunca computado nesta equação. Enquanto os centros das grandes cidades se esvaziam a olhos vistos, continuamos com esta expansão irracional.
A íntegra.
Você pode participar deste blog comentando,
enviando textos, fotografias e vídeos,
ou ainda como autor.